Pensando na letra da música Impermanência do Show Tempestade (parte 1)- Guilherme Sá

Olá!!!

Continuando a postagem anterior, sigo pensando sobre as músicas do show Tempestade, do Guilherme Sá e, a música analisada aqui é a Impermanência. É uma música profunda e poética que convida à reflexão sobre o tempo, o amor e a presença. Com sua característica intensidade lírica, Guilherme de Sá — conhecido por seu trabalho como vocalista da banda Rosa de Saron — mergulha em temas existenciais e filosóficos.
A canção desafia o ouvinte a estar plenamente no momento presente, sem se perder em memórias do passado ou expectativas do futuro. Percebo que jovens e adultos têm certa tendência de se preocupar com o futuro, enquanto idosos muitas vezes ficam rememorando o passado. Essa ideia é expressa logo no início, onde o artista aposta que é difícil para alguém conseguir viver um dia inteiro sem essas distrações temporais. A mensagem central aqui é a importância de viver o presente e amar o momento, sem deixar que as preocupações com o tempo interfiram na experiência de vida. Há ainda, uma reflexão sobre o amor verdadeiro, que não envelhece e que exige coragem para ser vivido mesmo na solidão. O amor começa quando alguém se sente só e termina quando essa pessoa deseja estar só. Essa dualidade do amor e da solidão é uma metáfora poderosa que sugere que o amor verdadeiro é autossuficiente e não depende da presença constante do outro. A música também critica a superficialidade das relações modernas, onde as pessoas registram tudo desenfreadamente, mas não conseguem enxergar o abismo que as ameaça. A letra também faz uma crítica à superficialidade, quando aborda a obsessão moderna por registrar tudo (como selfies), questionando se isso nos afasta da experiência real da vida. Guilherme de Sá questiona se as pessoas realmente estão presentes onde estão ou se estão apenas registrando momentos sem realmente vivê-los. A referência a 'selfie or (not) selfy' e 'to be or not to be' é uma alusão ao dilema existencial de Shakespeare, adaptado para o contexto moderno. A música termina com uma reflexão sobre a pressa e o passar dos anos, questionando onde estamos agora e se realmente aprendemos algo com o tempo que passou.
Vamos para as estrofes?
Como nos outros posts, a letra da música estará em negrito e meus comentários e observações estarão em letra normal, sem destaque. Dessa vez, vou falar sob duas perspectivas, a espiritual e a da Logoterapia. 

Eu desafio-te a estar
No exato momento em que está
Sem lembrares do passado
E esperares o futuro
Desafio não, eu aposto com você
Duvido que não consegues por um dia
Um dia apenas
E amá-lo

Na espiritualidade católica, estar presente é uma forma de comunhão com o divino. O momento presente é onde Deus se revela, onde a graça acontece. O passado já foi redimido, o futuro pertence à providência — só o agora é sagrado.
A música convida a abandonar a ansiedade e a culpa, que são frutos do apego ao tempo. Estar no agora é uma forma de oração silenciosa, de entrega. “E amá-lo” — não basta estar, é preciso amar o instante, mesmo que ele seja difícil. Isso é fé.
Aqui paro pra fazer alguns questionamentos. Para um pouquinho e pensa em como está sua relação com o tempo. Você tem vivido com integridade suas relações? Integridade aqui, como estar inteiro nas relações. Prestando atenção em quem está com você. Ou você fica se dispersando com o celular e outras coisas externas? Estamos dedicando tempo de qualidade em nosso trabalho, família, com Deus?
A logoterapia ensina que o ser humano encontra sentido mesmo (ou especialmente) no sofrimento, e que esse sentido é o que sustenta a existência. Frankl diria que esse “desafio” é a busca por sentido no aqui e agora, mesmo que o momento seja doloroso ou banal. A aposta de Guilherme é que podemos escolher estar presentes — e isso é liberdade, um dos pilares da logoterapia.Amar o momento é reconhecer que ele tem valor, que ele pode ser significativo, mesmo que não seja espetacular.
Ambos — espiritualidade e logoterapia — apontam para o mesmo caminho: a plenitude está no agora. Não é preciso esperar por um futuro idealizado nem se prender ao que já passou. O sentido da vida, e a presença de Deus, estão no instante vivido com consciência e amor.

O amor não envelhece, morre menino
Tem que ser imenso pra saber ser sozinho
Sem deixar que o fim te apavore
E termine só
Porque o amor começa
No momento em que você se sente só
E acaba no exato instante
Em que você deseja estar só

O amor que “morre menino” é aquele que permanece inocente, não corrompido pelo tempo ou pelas expectativas. Na espiritualidade católica, o amor é uma vocação — algo que transcende o ego e se volta ao outro com entrega. Santa Teresinha falou "Minha vocação é o amor". Essa frase resume sua espiritualidade profundamente centrada na caridade e na entrega total a Deus e aos outros. Para Teresinha, não importava o tamanho das ações, mas o amor com que eram feitas. Ela acreditava que o amor era a essência de toda vocação — fosse religiosa, matrimonial ou qualquer outra forma de vida cristã.
Essa visão está totalmente alinhada com a espiritualidade cristã e também com a logoterapia: o amor como resposta ao chamado interior, como sentido da existência, e como ponte entre o eu e o outro.
Saber ser sozinho é uma virtude espiritual. Os grandes místicos viveram períodos de solidão profunda, não como ausência de amor, mas como espaço para encontrar Deus. Muito se fala de nos esvaziar de nós (kenosis) para que o Senhor possa ocupar a centralidade do nosso viver.
“Sem deixar que o fim te apavore” sugere uma confiança na eternidade do amor — não como apego, mas como entrega. Aqui, acho que não tem como não pensar na história da Chiara Luce, que morreu tão jovem, mas que a morte tinha uma beleza peculiar, pois em sua confiança da misericórdia divina, sabia que iria encontrar o Esposo de nossas almas.
Frankl dizia que o vazio existencial pode ser preenchido pelo amor — não o amor romântico idealizado, mas aquele que dá sentido à vida. O amor verdadeiro nasce quando se reconhece a própria solidão, e ainda assim se escolhe o outro. Isso é liberdade interior. Quando o desejo de isolamento supera o desejo de conexão, o amor perde seu sentido. A logoterapia vê isso como uma desconexão do propósito.
Ambas as abordagens mostram que o amor não é apenas sentimento — é decisão, presença, e transcendência. Ele exige coragem para estar só, e generosidade para não permanecer só. O amor verdadeiro não é posse, é liberdade compartilhada.

Não, eu te desafio
A registrar tudo desenfreadamente
A cada movimento alheio, lida e... Flash!
Congelado vendo sem enxergar
O abismo que te ameaça

Na espiritualidade, enxergar vai além da visão física. É perceber a essência, o sagrado, o invisível. O “flash” congela o momento, mas não revela sua alma. Ao tentar capturar tudo, deixamos de viver o agora. Isso é o oposto da contemplação, que exige silêncio e presença. O “abismo que te ameaça” pode ser interpretado como o vazio existencial que surge quando se vive apenas na superfície, sem profundidade espiritual. Com tantos estímulos externos torna-se cada vez mais difícil pararmos para contemplar o belo, para um encontro conosco e com o próprio Deus. É como se ao pararmos, estivéssemos perdendo algo e isso acaba nos trazendo ansiedade e dependência das redes sociais. 
Viktor Frankl diria que o sentido da vida não está em acumular experiências, mas em vivê-las com profundidade. Registrar tudo pode ser uma forma de fugir da experiência real. O trecho sugere que, ao viver desenfreadamente atrás de registros, o indivíduo corre o risco de cair num abismo de falta de sentido — um dos temas centrais da logoterapia. Observar o outro sem se conectar com ele é viver na periferia da existência. A logoterapia propõe o encontro autêntico como fonte de sentido.
Essa parte da música é quase um alerta: não confunda presença com registro, nem conexão com exposição. O verdadeiro sentido — seja espiritual ou existencial — exige atenção, silêncio e entrega. Fotografar o mundo não é o mesmo que habitá-lo.

Mas vá, rabisque com a luz
E selfie-se quem puder
Vê que os imensos sabem fazer falta
Não precisam ser suficientes
Para os que os idealizam
Nem renunciam a si mesmos
Para serem como os outros

Rabiscar com a luz é uma metáfora para fotografar — mas também pode ser vista como uma tentativa de capturar o divino, o efêmero, o invisível.
"Selfie-se quem puder" soa como um desafio: será que é possível se capturar de verdade? Ou só se cria uma máscara? 
A logoterapia busca o sentido da vida — e aqui, o “selfie” é quase uma ironia: quem consegue se ver de verdade? O desafio é se reconhecer além da imagem, além da aparência.
"Vê que os imensos sabem fazer falta"
Os “imensos” podem ser interpretados como almas elevadas, pessoas espiritualmente profundas. Fazer falta é sinal de presença significativa — não precisam estar sempre visíveis para serem sentidos. Se não estamos de fato mergulhados nos contextos da vida, como vão sentir a nossa falta?
Viktor Frankl falava sobre o valor da ausência: às vezes, o sentido está no que não está presente, mas deixou marca. A falta pode ser sinal de profundidade e impacto. São Josemaria Escrivá disse certa vez: "Sê útil, deixa rastros!". 
"Não precisam ser suficientes / Para os que os idealizam"
A espiritualidade verdadeira não busca agradar ou se moldar à expectativa dos outros. O idealismo alheio não define o valor de quem é inteiro por si mesmo.
O sentido da vida não está em corresponder às expectativas dos outros. A busca por sentido exige liberdade interior, não adaptação externa.
"Nem renunciam a si mesmos / Para serem como os outros"
Essa é uma afirmação de liberdade espiritual: ser autêntico é um ato sagrado. Renunciar à própria essência é uma forma de morte interior. Se não me engano, em Gálatas, Pedro diz: "Já não sou eu que vivo, é Cristo quem vive em mim". O homem velho deu lugar ao homem como Deus o criou para ser. 
A logoterapia valoriza a individualidade como fonte de sentido. Renunciar a si mesmo para se encaixar é perder o propósito.
Essa estrofe é um convite à autenticidade e à presença real. Seja pela espiritualidade ou pela logoterapia, o recado é claro: não se perca tentando se mostrar — encontre-se sendo quem você é.

Selfie or (not) selfy
That it's the question, see?
To be or not to be?

O selfie e o self aqui demonstram a dualidade do eu. 
Selfie representa o eu exterior, a imagem construída, compartilhada, editada. É o “ser visto”, o “ser aceito”, o “ser validado” — muitas vezes, em detrimento do verdadeiro eu.
Selfy (com “y”) pode ser interpretado como o eu autêntico, o “self” psicológico ou espiritual. É o “ser sentido”, o “ser vivido”, o “ser em essência”.
Esse jogo de palavras sugere que o dilema moderno não é apenas “ser ou não ser”, mas “ser imagem ou ser essência”.
Viktor Frankl diria que o verdadeiro dilema é “ser com sentido ou viver na aparência”. O “selfie” pode ser uma fuga do vazio existencial — uma tentativa de preencher com validação externa o que falta internamente. O “selfy”, por outro lado, é o caminho da autenticidade, da liberdade interior e da responsabilidade por si mesmo.
A espiritualidade convida ao silêncio, à introspecção, à conexão com o divino — tudo o que o “selfie” muitas vezes ignora. “To be or not to be?” se transforma em: “Ser luz ou reflexo?” O “selfy” é o eu que se reconhece como parte do todo, que não precisa se exibir para existir.
Essa releitura é genial porque transforma um dilema clássico em uma crítica atual:
Será que estamos sendo ou apenas parecendo ser?
Estamos nos conhecendo ou apenas nos expondo?
Fica o questionamento...

Se você não está onde está
É porque não aprendeu nada
Apesar da pressa
E do passar do (D) anos
Onde você está agora?

A estrofe parece ecoar um chamado à conversão interior e à reflexão sobre o caminho espiritual.
"Se você não está onde está"
Isso pode ser lido como uma falta de presença diante de Deus. Estar "fora de si" é estar longe da graça, longe da vocação pessoal, longe do propósito divino. É como o filho pródigo que se afasta da casa do Pai.
Na logoterapia, isso pode significar que a pessoa está alienada de seu verdadeiro eu, vivendo segundo expectativas externas, sem se conectar com seu propósito autêntico.
"É porque não aprendeu nada"
Aqui, o aprendizado não é apenas intelectual, mas espiritual. É o aprendizado do amor, da humildade, da confiança em Deus. Se a pessoa não está onde deveria estar — espiritualmente falando — é porque não se deixou transformar pela experiência, pela oração, pela cruz.
Frankl diria que o sofrimento só tem valor se ensina algo, se leva à descoberta de sentido. Se a dor, o tempo, as experiências não geraram crescimento interior, então foram desperdiçados.
"Apesar da pressa / E do passar do (D) anos"
A "pressa" pode simbolizar o ativismo, o correr atrás de metas mundanas, sem parar para escutar a voz de Deus. E o "(D)" pode ser interpretado como desencanto, desorientação, desespero — estados que surgem quando se vive sem fé, sem sentido transcendente.
A pressa é o inimigo da reflexão. E o "(D)" pode ser lido como despersonalização, desesperança, ou até desconexão com o logos — o sentido profundo da existência. Anos podem passar, mas sem sentido, são apenas tempo cronológico, não tempo vivido.
"Onde você está agora?"
Essa pergunta é profundamente espiritual. É como Deus perguntando a Adão: "Onde estás?" (Gênesis 3,9). É um convite à consciência, ao retorno, à reconciliação. Onde você está em relação ao seu chamado, à sua missão, ao amor de Deus?
Essa é a pergunta central da logoterapia: Qual é o sentido da sua vida neste momento? Frankl acreditava que mesmo em situações extremas, como em campos de concentração, o ser humano podia encontrar sentido. Essa pergunta é um convite à responsabilidade existencial: você está onde escolheu estar? Está vivendo com propósito?
Essa estrofe, vista por essas duas lentes, é um chamado à consciência espiritual e existencial. É como se dissesse:
"Pare. Olhe para dentro. Você está vivendo com propósito? Está onde Deus te chama a estar? Ou está apenas passando pelos dias, sem aprender, sem crescer, sem amar?"


Olha, as músicas do Guilherme são um excelente material para quem tem o costume de rezar com músicas. Espero ter contribuido com isso, para maior honra e glória do Senhor!
Até a próxima. 

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