Pensando na letra da música Atheos do Show Tempestade (parte 1)- Guilherme Sá

Salve galerinha do rock católico!

Continuando as postagens anteriores, sigo pensando sobre as músicas do show Tempestade, do Guilherme Sá e, a música analisada aqui é a Atheos. "Atheos" é uma composição intensa e poética de Guilherme de Sá, lançada como parte do projeto Tempestade Parte 1. A música mergulha em reflexões existenciais e espirituais, com uma letra provocativa que questiona a arrogância humana diante da finitude e da ausência de fé. A música foi apresentada em um show ao vivo gravado em São Paulo, com produção musical e arranjos assinados pelo próprio Guilherme de Sá. A performance é marcada por uma atmosfera dramática e emotiva, reforçando o peso das palavras e a profundidade da mensagem.

Vamos nessa?!
Como nos outros posts, a letra da música estará em negrito e meus comentários e observações estarão em letra normal, sem destaque.

É triste
Quem não tem à quem se ater
Enquanto o avião cai
O que seria do ateu
Se não tivesse Deus para não crer?
Pobre, rude, tenso, pequeno
O homem só é grande de joelhos

“É triste / Quem não tem a quem se ater / Enquanto o avião cai”
Reflete a vulnerabilidade humana diante da morte. A Igreja Católica ensina que, nos momentos de perigo ou desespero, muitos voltam seus olhos para Deus, mesmo que tenham vivido distantes d’Ele. A falta de um referencial transcendente é vista como uma tristeza profunda — estar sozinho diante da própria finitude.
“O que seria do ateu / Se não tivesse Deus para não crer?”
Uma provocação filosófica que remete à noção de que até o ateísmo define-se em relação à existência de Deus. Santo Agostinho diria que mesmo o coração mais resistente sente saudades de Deus. A frase desafia a ideia de autonomia absoluta e sugere que o divino é um ponto de referência inevitável.
“Pobre, rude, tenso, pequeno / O homem só é grande de joelhos”
Expressa a humildade como virtude central na fé cristã. O joelho dobrado não é sinal de fraqueza, mas de grandeza espiritual. A liturgia católica utiliza a genuflexão como ato de reverência e reconhecimento da soberania divina.
"Puxando sardinha" pro meu atual objeto de estudo, vou falar também de uma visão da Logoterapia. Frankl observou, nos campos de concentração, que aqueles que tinham um sentido — fé, amor, propósito — conseguiam suportar sofrimentos inimagináveis.
A queda do avião aqui pode simbolizar a crise existencial. “Quem não tem a quem se ater” seria aquele que ainda não encontrou um sentido maior para a vida.
O ateu, neste contexto, pode representar alguém cuja estrutura de sentido foi abalada ou está em construção.
“O homem só é grande de joelhos”
 Na logoterapia, isso pode ser lido como a entrega voluntária a algo maior do que o ego — seja Deus, seja uma causa ou um amor profundo. A postura de humildade diante da vida revela grandeza espiritual.

O que faria o arrogante
Ante o amor que pleiteia ser o adeus?
E nem consegue ser o Deus de si mesmo?

“O que faria o arrogante / Ante o amor que pleiteia ser o adeus?”
O arrogante, segundo a teologia cristã, é aquele que se fecha à graça, acreditando bastar-se a si mesmo. Mas o amor — especialmente o amor sacrificial, como o de Cristo — confronta essa postura. Quando o amor aparece não como posse, mas como entrega (um adeus voluntário), ele desarma o ego.
Esse trecho remete ao conceito de kenosis, o esvaziamento de si pelo amor. O arrogante, ao deparar-se com isso, está diante de uma escolha: abrir-se à humildade ou se perder na própria vaidade.
“E nem consegue ser o Deus de si mesmo?”
Aqui está uma crítica poderosa à pretensão humana de autonomia radical. Na tradição cristã, só Deus é autosuficiente. Quando o ser humano tenta assumir esse papel, acaba se frustrando — pois não consegue lidar com o sofrimento, o limite, a morte. É a repetição do erro original: querer “ser como Deus”, como descrito no Gênesis, mas acabar escravizado pela própria insuficiência.
Viktor Frankl via a arrogância como uma máscara do vazio existencial. Ao não encontrar sentido, o indivíduo infla o ego para compensar.
“O amor que pleiteia ser o adeus” pode representar aquele sentido maior que exige renúncia e entrega. O arrogante foge disso, pois isso implicaria reconhecer que há algo superior à sua vontade.
“Não consegue ser o Deus de si mesmo”
Uma frase que conversa diretamente com a premissa da logoterapia: o ser humano não encontra sentido mergulhando apenas no próprio ego, mas abrindo-se a algo além — seja transcendência, seja serviço, seja amor.
Frankl diria que a verdadeira liberdade está em escolher como reagimos às circunstâncias e em que colocamos nosso propósito. E tentar ocupar o lugar de Deus é perder essa liberdade.  
Essa estrofe parece uma grande provocação do Guilherme de Sá, como se perguntasse: até quando você vai tentar bancar um deus que não consegue nem salvar a si mesmo?
 
O homem só é grande de joelhos
Mesmo o trigo
Se curva com o vento

Essa estrofe é de um beleza singela — uma síntese poética de humildade e grandeza espiritual. 
“O homem só é grande de joelhos”
Essa imagem é profundamente simbólica. Estar de joelhos é postura de adoração, súplica, humildade e reverência. Os santos, os mártires, e até mesmo Cristo, são exaltados pela sua capacidade de se abaixar, de servir e se entregar. Grandeza, portanto, não está no domínio, mas no reconhecimento da própria dependência de Deus. Isso ecoa o ensinamento de Jesus: “Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado.” (Mt 23,12)
“Mesmo o trigo / Se curva com o vento”
É uma metáfora bíblica: o trigo aparece frequentemente na Escritura como símbolo de fertilidade, alimento, sacrifício (como no pão eucarístico). Curvar-se ao vento é um ato de flexibilidade diante da vontade divina, um reconhecimento das forças que nos moldam. O arrogante é como o joio — rígido, estéril e resistente ao vento do Espírito.  
Frankl dizia que o ser humano encontra sentido quando se transcende — não vivendo para o prazer ou poder, mas para algo maior que si mesmo.
“Grande de joelhos” representa a dignidade na renúncia do ego, um gesto de liberdade interior.  
 O “trigo que se curva com o vento” sugere um indivíduo que não resiste ao curso natural da vida, que aceita o sofrimento, a mudança e o mistério como partes do caminho. A rigidez existencial é substituída pela fluidez do sentido: quem se curva não quebra — encontra força na vulnerabilidade.
Essa estrofe, por si só, é um convite à contemplação: curvar-se não é se render ao vazio, mas se alinhar ao sentido que nos atravessa.
 
Ateu, ateu, ateu

A repetição reforça a insistência humana em negar o transcendente — como se Guilherme de Sá estivesse confrontando o personagem (ou parte de nós) que rejeita a fé. Lembra ainda o momento em que Pedro negou Jesus três vezes, apontando para a luta interna entre a convicção e a fraqueza humana.
A liturgia católica muitas vezes usa repetições para meditar sobre verdades espirituais — aqui, essa repetição parece ter o efeito inverso: escancarar o vazio do discurso sem fé.
A repetição pode ser um grito de identidade sem sentido. Frankl afirmava que, sem propósito, até mesmo os nomes e rótulos se tornam ecos vazios. O “Ateu” dito três vezes não é um manifesto racional — é quase um clamor existencial. Pode representar alguém tentando se afirmar, mas sem encontrar sentido profundo nessa afirmação. Na logoterapia, isso seria um chamado à consciência: "O que isso está tentando me dizer? Por que essa negação insiste em mim?"
Essa frase se olhada rapidamente, parece só palavras repetidas, mas carrega um peso imenso. Guilherme parece estar dizendo: a ausência de Deus não é apenas intelectual — é um abismo existencial.
Na Logoterapia de Viktor Frankl, o ser humano pode suportar qualquer dor — exceto a falta de sentido. E o ateísmo descrito aqui não é filosófico, é existencial, doloroso, desesperado. A ausência de Deus não é apenas uma posição intelectual: é um buraco, uma fome, uma saudade de algo que talvez nunca tenha sido nomeado. 
Do ponto de vista teológico, esse trecho lembra que a fé não nasce da certeza, mas do conflito. Guilherme de Sá não está zombando do ateu — está expondo sua fragilidade interna, sua luta, sua tentativa de se sustentar num mundo sem transcendência. No fim, essa repetição parece um convite à reflexão: “Se até o vazio está gritando, será que não há alguém ouvindo?”

O homem só é grande de joelhos
Mesmo o trigo
Se curva com o vento

Já analisado anteriormente



Apesar de não fazer muito o meu estilo musical, estou gostando bastante de analisar as músicas do Guilherme/Rosa de Saron. São letras com uma linguagem profunda e poética, falando de coisas super necessárias. Uma excelente via de evangelização dos jovens. Continuem por aqui para acompanhar o restante das músicas desse show.

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