Pensando na letra da música Neumas D'arezzo do Show Tempestade (parte 1)- Guilherme Sá

Salve, roqueiros de Deus!

Dando continuidade à série de músicas do show Tempestade, do Guilherme de Sá, dessa vez estou trazendo a música Neumas D'arezzo. Como não conheço esse termo, tive que pesquisar para entender e trazer pra vocês o significado. O termo "Neumas D'Arezzo" tem um significado duplo — musical e simbólico — especialmente quando se refere à música com esse título. 
Na explicação musicas temos que Neumas são os primeiros símbolos usados na notação musical ocidental, surgidos entre os séculos VIII e XIV. Eles indicavam o contorno melódico das músicas, antes mesmo da invenção das pautas e notas como conhecemos hoje.
Guido d'Arezzo foi um monge beneditino do século XI, considerado o pai da notação musical moderna. Ele desenvolveu o sistema de solmização (ut, ré, mi, fá, sol, la) e introduziu a pauta de quatro linhas, facilitando o ensino e a leitura musical.
A música usa o nome como metáfora espiritual e artística. Reflete sobre a complexidade e simplicidade da vida e da fé, comparando a jornada espiritual a uma composição musical. Frases como "notas desiguais", "tríade sem bemóis", e "modo grego e mixolídio" evocam a busca por autenticidade e profundidade espiritual. A repetição de "Desfaz, refaz" sugere reconstrução e reflexão pessoal, no movimento constante de nossa vida em errar, arrepender-se, buscar melhorar. O título homenageia Guido d’Arezzo como símbolo de inovação e estrutura na música — e, por extensão, na espiritualidade.
Vamos pensar na letra?
Como nos outros posts, a letra da música estará em negrito e meus comentários e observações estarão em letra normal, sem destaque. Como usa uma linguagem de quem é da música, busquei pesquisar alguns termos e trechos para tentar trazer o sentido aqui.




São só notas desiguais que eu pus nesta canção
Afinal, sou só uma tríade sem bemóis
Procurei ser uma tétrade
Mas não passei de um assobio de um riff sem tato
Um de um falso Picasso
Livro sem final

"São só notas desiguais que eu pus nesta canção"
Refere-se à falta de harmonia ou coesão. Musicalmente, notas desiguais podem soar dissonantes, sugerindo uma composição imperfeita ou instável. As notas desiguais representam os erros, falhas, momentos desconexos da vida. A canção é a própria existência, feita de altos e baixos.
"Sou só uma tríade sem bemóis"
Uma tríade é um acorde básico de três notas. Sem bemóis, pode soar "crua", sem nuances. Isso sugere simplicidade, talvez até limitação. Tríade sem bemóis significa que a tríade é a base, mas sem bemóis (que suavizam ou escurecem o som), a vida parece sem profundidade emocional. É como dizer: “sou básico, sem nuances”. Mostra certa imaturidade ou superficialidade espiritual.
"Procurei ser uma tétrade"
Uma tétrade é um acorde mais complexo, com quatro notas. Aqui, há o desejo de crescimento musical, de ir além do básico. O desejo de ser tétrade demonstra um anseio por complexidade, maturidade, plenitude espiritual. Mas o eu lírico reconhece que ainda não chegou lá.
"Mas não passei de um assobio de um riff sem tato"
Um riff é uma frase musical marcante. Um riff “sem tato” é desprovido de técnica ou emoção. O “assobio” reforça a ideia de algo passageiro, incompleto. O assobio de um riff sem tato mostra a  tentativa de se expressar espiritualmente ou artisticamente, mas sem conseguir tocar profundamente. É uma frustração existencial.
"Um de um falso Picasso" 
Picasso é símbolo de genialidade e expressão. Ser “falso” é sentir-se impostor, incompleto, não autêntico. 
"Livro sem final" 
Quer trazer a vida como uma história inacabada, cheia de capítulos em aberto. Pode sugerir esperança, mas também incerteza.
Essa estrofe é um autoexame poético. O eu lírico se vê como uma composição imperfeita — musicalmente simples, espiritualmente incompleta, artisticamente frustrado. Mas essa honestidade é também um ato de fé: reconhecer a própria limitação é o primeiro passo para a transcendência.

Desfaz, refaz
Faz do jeito que todo mundo faz
Não faz, eu não ouço

"Desfaz, refaz"
Evoca o processo de composição e edição musical. Assim como na música, onde se apaga e reescreve até encontrar a harmonia, aqui há uma busca por aperfeiçoamento sonoro — ou talvez a impossibilidade de alcançá-lo. Espiritualmente representa o ciclo da vida espiritual: errar, se arrepender, tentar de novo. É o processo de metanoia — transformação interior.
"Faz do jeito que todo mundo faz"
Crítica à padronização musical, à repetição de fórmulas. Pode sugerir que seguir o molde não gera verdadeira arte — apenas imitação. O que não falta são exemplos de cantores ou bandas que vão desviando de seu estilo musical de referência, para muitas vezes adaptar-se ao que está na moda. Uma crítica à conformidade espiritual. Seguir o fluxo sem autenticidade é viver uma fé superficial, sem profundidade.
"Não faz, eu não ouço"
Um paradoxo: se não se cria, não há som, não há expressão. Musicalmente, é o silêncio que grita. A ausência de som é também ausência de sentido. Pode ser interpretado como um clamor por autenticidade. Se não há ação verdadeira, não há testemunho, não há impacto. É como dizer: “Se você não vive o que prega, sua voz é silêncio para mim.”
Essa estrofe parece ser um chamado à autenticidade — tanto na arte quanto na fé. O eu lírico rejeita fórmulas prontas e exige expressão verdadeira. O ciclo de “desfazer e refazer” é tanto artístico quanto espiritual: é o processo de se reconstruir, de buscar sentido, de não se contentar com o raso. Essa parte da música ecoa quase como uma oração — não por perfeição, mas por verdade. A autenticidade e a busca de sentido me remetem à Logoterapia, de Viktor Franl.

Não é uma letra a mais
Não é se tem unção ou não
Não é sobre como se compõe
Não é um aviso, um olá
É apenas uma maneira de dizer um tchau
Se quiser voltar, volte pra somar

"Não é uma letra a mais"
A despedida não é um acréscimo qualquer. É significativa, não decorativa. A vida não é feita de palavras soltas — cada gesto tem peso. Não é uma música chiclete para ficar martelando na sua cabeça, tem algo a mais. 
"Não é se tem unção ou não"
Aqui, o eu lírico rejeita o julgamento espiritual superficial. A unção, no contexto cristão, representa a presença divina. Mas ele diz que não se trata disso — não é sobre aparência de santidade.
"Não é sobre como se compõe"
A vida (ou a relação) não é medida por técnica, por forma. É sobre intenção, verdade, sentimento.
"Não é um aviso, um olá"
Não é uma introdução, nem uma promessa. É um fim, mas dito com ternura.
"É apenas uma maneira de dizer um tchau"
Simples, direto, mas carregado de emoção. Um adeus sincero, sem drama, sem espetáculo. O "tchau” é como o encerramento de uma música — não com um acorde final dramático, mas com uma nota suave, sincera.
"Se quiser voltar, volte pra somar"
Esse verso é um convite à reconciliação verdadeira. Voltar só faz sentido se for para construir, não repetir erros. É uma mensagem de maturidade emocional e espiritual. Não é voltar de qualquer jeito, mas voltar de coração, de alma e ação. “Voltar pra somar” é como dizer: não volte com dissonância, volte com harmonia.
Essa estrofe se afasta dos termos técnicos e entra no território da composição como expressão emocional.
Essa parte da música é um desfecho emocional, mas não um fechamento definitivo. É um adeus que abre espaço para retorno, desde que seja genuíno e construtivo. O eu lírico não está interessado em aparências, técnica ou religiosidade vazia — ele quer verdade, presença, soma.
Essa estrofe também conecta com o título Neumas D’Arezzo: assim como Guido d’Arezzo buscava sistemas que tornassem a música compreensível e ensinável, o eu lírico busca formas sinceras de se comunicar e se despedir — sem ornamentos, só essência.

Entre uma frequência e outra
Parodiando modo grego e mixolídio
Solfejando o H2 sem O
O que importa o Resonare Fibris?
Ou Mira Gestorum, Famuli Tuorum?
Para o mau entendedor, nada
Mas nunca um adeus

"Entre uma frequência e outra"
Refere-se ao espaço entre notas, entre sons. Pode simbolizar o intervalo entre momentos significativos, ou até o silêncio entre palavras — onde mora o mistério.
"Parodiando modo grego e mixolídio"
Os modos gregos são escalas musicais antigas, cada uma com um caráter emocional. O mixolídio, por exemplo, tem um tom mais aberto e contemplativo. Parodiar esses modos é brincar com a tradição, talvez questionar fórmulas antigas.
"Solfejando o H₂ sem O"
Uma imagem belíssima e enigmática. H₂O é água — símbolo de vida. “Solfejar o H₂ sem O” é cantar sem vida, expressar sem essência. É uma crítica à arte ou fé sem profundidade. Soa como certe incompletude.
"O que importa o Resonare Fibris?"
Essa frase vem do hino Ut queant laxis, usado por Guido d’Arezzo para nomear as notas musicais.
Resonare fibris = “ressoar com as fibras (da garganta)”
Aqui, o eu lírico questiona: de que adianta ressoar com técnica se falta verdade?
"Ou Mira Gestorum, Famuli Tuorum?"
Também parte do hino:
Mira gestorum = “as maravilhas dos teus feitos”
Famuli tuorum = “os servos teus”
O eu lírico parece nos dizer que não basta repetir louvores antigos se não há vivência espiritual real.
"Para o mau entendedor, nada"
Uma inversão do ditado “para bom entendedor, meia palavra basta”. Aqui, quem não tem sensibilidade espiritual ou artística, não entende nada — mesmo diante de beleza e profundidade.
"Mas nunca um adeus"
Apesar da incompreensão, não há ruptura definitiva. É uma afirmação de esperança, permanência, talvez fé. O som, a alma, a arte — continuam.
Essa estrofe é uma meditação sobre a forma versus essência. Cantar, compor, louvar — tudo isso pode ser vazio se não vier da alma. O eu lírico rejeita a superficialidade, tanto na música quanto na fé. Mesmo quando não compreendido, ele não desiste, não se despede. Há uma resiliência espiritual aqui.
Guido usou o hino Ut queant laxis para criar a escala musical — um ato de organização, clareza, ensino.
Mas o eu lírico parece dizer: não basta saber os nomes das notas — é preciso sentir o som, viver a música, encarnar a fé. Aqui me lembrei de uma música bem simples, da Banda Dominus, O amor: "Se eu conhecesse todos os mistérios e os segredos deste mundo, / Mas não tenho amor. / E se eu tivesse uma fé capaz de transportar todas montanhas, / Mas não tenho amor. / Venho a ser como um metal que faz ruído e nada mais, /Ruído e nada mais."

Desfaz, refaz
Faz do jeito que todo mundo faz
Não faz, eu não ouço

Já analisado acima. 

Não é uma letra a mais
Não é se tem unção ou não
Não é sobre como se compõe
Não é um aviso, um olá
É apenas uma maneira de dizer um tchau
Se quiser voltar, volte pra somar

Estrofe repetida. 

De outro modo, dê meia volta
Subtraia outra trova

Essa última estrofe de "Neumas D’Arezzo" é breve, mas cheia de camadas. Ela funciona como um encerramento reflexivo, quase como um convite à releitura — ou à reescrita da própria jornada.
"De outro modo, dê meia volta"
Musicalmente, pode sugerir uma mudança de tonalidade, uma modulação. É como abandonar uma melodia e começar outra — com novos acordes, nova intenção. Espiritualmente, é um chamado à metanoia — mudança de mente e direção. Um convite à reflexão e retorno. Não é um fim, mas uma reorientação.
"Subtraia outra trova"
A trova é uma forma poética e musical medieval. Subtrair uma trova é remover um verso, rever uma ideia, silenciar uma parte da canção. Pode indicar a necessidade de simplificar, desapegar, recompor. Espiritualmente, pode significar: deixe para trás mais uma narrativa que não te serve. Talvez seja uma desconstrução de crenças, de histórias que não somam mais. É um ato de purificação, de revisão da própria canção interior. Ao longo da vida e da caminhada vamos mudando, amadurecendo.
Essa estrofe finaliza a música com um tom de liberdade e escolha. O eu lírico não impõe um caminho — ele sugere que, se for preciso, volte, reescreva, retire, recomece. É uma mensagem de autonomia espiritual e artística: a vida é uma composição em aberto, e cada um pode editar sua própria partitura.

Desfaz, refaz
Faz do jeito que todo mundo faz
Não faz, eu não ouço

Repetido

Não é uma letra a mais
Não é se tem unção ou não
Não é sobre como se compõe
Não é um aviso, um olá
É apenas uma maneira de dizer um tchau
Se quiser voltar, volte pra somar

Repetido. 

Fazendo um resumo, recapitulação do que foi falado, temos que ao longo de "Neumas D’Arezzo", o eu lírico:
- Questiona a técnica sem alma.
- Reconhece suas limitações.
- Busca autenticidade na arte e na fé.
- Despede-se com ternura, mas sem fechar portas.
- E termina com um convite à reconstrução consciente.
É uma música que fala de imperfeição, busca, e esperança — tudo isso embalado em metáforas musicais e espirituais, que pelo que percebi é muito a vibe do Guilherme. 

Espero ter contribuído para sua reflexão e oração com essa música. Foi um pouco difícil por trazer termos e conhecimentos que vão além dos meus, mas acho que deu pra tentar simplificar. Tem alguma correção, comentário, testemunho sobre a música, coloca aqui nos comentários. Até a próxima. ;)

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