Você já escutou “Réquiem” do Guilherme de Sá com o coração aberto?
Essa música não é só uma melodia bonita — é quase uma oração, um desabafo, um grito silencioso de quem atravessa o vale da dor e ainda acredita que tudo... vai passar.
Neste post, vamos mergulhar na profundidade dessa letra sob duas lentes poderosas: a espiritualidade católica, que nos convida à esperança mesmo em meio à cruz, e a logoterapia, que nos lembra que o sentido da vida pode ser encontrado até nas noites mais escuras.
Se você já se perguntou “onde estou agora?” ou sentiu que o tempo passou sem deixar aprendizado... essa análise é pra você. Vamos juntos?
Se soubesse meu bem
O quanto eu sinto
Por redigir este requiem
Neste triste céu de agosto
Eu desgasto e gasto e fim
N'onde pouco que me resta
É um porém, sim
Mas o choro, ouve
Essa estrofe soa como uma oração de lamento, semelhante aos salmos penitenciais ou às confissões íntimas dos santos.
“Se soubesse, meu bem, o quanto eu sinto”:
Aqui há uma entrega emocional profunda, como quem se dirige a Deus ou a uma alma amada. É o reconhecimento da dor, da culpa, da saudade — sentimentos que, na espiritualidade cristã, são caminhos para a conversão.
O eu lírico está consciente da dor, e isso já é um passo para o reencontro com o sentido.
“Por redigir este réquiem”:
Um réquiem é uma missa pelos mortos. Escrever um réquiem é como compor uma despedida, um adeus. Pode simbolizar o fim de uma fase, a morte de uma esperança, ou até o luto por si mesmo — por aquilo que se perdeu espiritualmente.
O “réquiem” pode simbolizar o fim de uma etapa sem propósito — um momento de ruptura que abre espaço para algo novo.
“Neste triste céu de agosto”:
Agosto, na tradição popular, é mês de desgostos. O céu triste remete à ausência de luz, à noite da alma — como São João da Cruz descreve na Noite Escura. É um tempo de provação, mas também de purificação.
O “céu de agosto” é o cenário da crise, mas também da escolha: como reagir à dor? O que fazemos com o sofrimento?
“Eu desgasto e gasto e fim”:
Isso evoca o esgotamento espiritual. Como quem se doa até o limite, sem ver frutos. Pode ser interpretado como um sacrifício — um oferecimento da dor, como Cristo na cruz.
“Desgasto e gasto e fim” mostra que o sofrimento está sendo vivido — e, segundo Frankl, o sofrimento só é insuportável quando não tem sentido.
“N'onde pouco que me resta / É um porém, sim”:
O “porém” é a esperança. Mesmo no fim, há um “sim” — como o fiat de Maria. É a fé que resiste, mesmo quando tudo parece perdido.
O “porém, sim” é o ponto de virada: o reconhecimento de que ainda há algo a ser afirmado, mesmo que seja apenas a própria dignidade diante da dor.
“Mas o choro, ouve”:
Um clamor direto. Como o salmista que diz: “Senhor, escuta o meu choro”. É a certeza de que Deus ouve, mesmo no silêncio.
E “o choro, ouve” é a busca por conexão — seja com Deus, com o outro, ou com o próprio sentido da vida.
Sabe a dor que está aí?
Sabe quando reza pelo fim?
Vai passar, vai passar
Sabe o vazio que habita em ti?
Sabe o amanhã que viu ruir?
Vai passar, vai passar
Essa parte da música soa como um ato de consolo espiritual, quase como uma profecia de esperança. Na logoterapia, essa estrofe é um exemplo claro de resiliência existencial.
“Sabe a dor que está aí?”
A dor é reconhecida, não negada. A dor tem valor redentor quando unida à cruz de Cristo. É o sofrimento que pode ser oferecido, transformado em graça.
A dor, o vazio, o colapso do futuro — tudo isso são experiências humanas profundas.
“Sabe quando reza pelo fim?”
Esse verso revela o desespero profundo — o momento em que a alma clama por alívio. Mas mesmo esse clamor é oração. Deus escuta até os gemidos sem palavras (cf. Romanos 8,26).
Mas Frankl diria: “O sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que encontra um sentido.
“Vai passar, vai passar”
Essa repetição é como um refrão de fé. Tudo passa — como dizia Santa Teresa d’Ávila: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa. Deus não muda.” É a certeza de que a dor não é eterna, e que há ressurreição após a cruz.
O “vai passar” não é só consolo — é uma afirmação de que a vida continua, e que o sentido pode ser reencontrado mesmo após a queda.
“Sabe o vazio que habita em ti?”
O vazio é espaço para Deus. Santo Agostinho dizia: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.” Esse verso é um convite à abertura espiritual — deixar que Deus preencha o que falta.
O vazio interior é o que Frankl chamava de vazio existencial — mas ele acreditava que esse vazio é o ponto de partida para a busca de sentido.
“Sabe o amanhã que viu ruir?”
Mesmo quando os planos caem, a providência divina permanece. Deus reconstrói sobre as ruínas. O amanhã que ruímos pode ser o início de um novo tempo.
O amanhã que ruímos pode ser reconstruído com novos valores, novas escolhas, e uma nova visão de si mesmo.
Essa parte da música é como um abraço espiritual e psicológico. Ela reconhece a dor, mas não a idolatra. Ela aponta para o fim do sofrimento, sem negar sua existência.
Meu bem, se eu pudesse ter
Um efêmero zéfiro a mais
Te diria que as dores do seu mundo passarão
Antes que entoem seu pior trovão
Antes que troveje-lhe o último refrão
Há uma ternura melancólica neles, como se fossem um sussurro de esperança em meio à tempestade. O “efêmero zéfiro” é uma imagem poética belíssima — um sopro breve, mas cheio de intenção, como quem deseja consolar com suavidade. Tive que pesquisar o que era isso. “Efêmero zéfiro” pode ser interpretado como uma metáfora para o Espírito Santo — frequentemente representado como vento ou sopro (cf. Jo 3,8). Mesmo que breve, esse “sopro” traz consolo, discernimento e paz, como o Espírito que consola nos momentos de dor.
O verso “as dores do seu mundo passarão” remete diretamente à esperança cristã na redenção e na vida eterna. A Igreja ensina que o sofrimento terreno é transitório e que, em Cristo, há promessa de consolo eterno: “E Deus enxugará dos seus olhos toda lágrima” (Ap 21,4).
O trovão e o refrão final evocam momentos de crise ou morte — mas há uma promessa de que antes disso, virá o consolo. Isso se alinha ao mistério pascal: sofrimento, morte e ressurreição. A dor não é o fim, mas parte do caminho para a glória.
Frankl afirma que o ser humano pode encontrar sentido mesmo nas situações mais dolorosas. O trecho sugere que há um propósito maior por trás da dor — e que ela passará, o que reforça a ideia de que o sofrimento não é em vão.
Se eu pudesse ter / Um efêmero zéfiro a mais” expressa o desejo de oferecer alívio — mesmo que pequeno — ao outro. Isso reflete a liberdade interior de quem, mesmo limitado, escolhe amar e consolar. Para Frankl, essa liberdade é essencial à dignidade humana.
A promessa de que “as dores passarão” aponta para uma dimensão transcendente — algo além do aqui e agora. Frankl via a espiritualidade como uma das formas mais profundas de encontrar sentido, especialmente em meio à dor.
Sabe o mal que te aflige?
Sabe a ira que te consome?
Vai passar, vai passar
Sabe quando tudo é culpa
E só há desespero?
Então, também vai passar
Vai passar
A Igreja não nega o sofrimento, a ira, a culpa ou o desespero — ela os acolhe como parte da condição humana caída. Esse trecho ecoa o Salmo 34: “O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito abatido.”
Vai passar” é uma afirmação de fé na misericórdia divina. O Catecismo ensina que “não há pecado que seja maior que a misericórdia de Deus” (cf. CIC 1864). A repetição reforça a certeza de que, mesmo no abismo da culpa, há redenção. Isso remete ao sacramento da reconciliação, onde o perdão é oferecido sem reservas.
Jesus, no Getsêmani, experimenta angústia profunda — e por isso é capaz de se unir a quem sofre. A música, nesse trecho, parece ser um eco da voz de Cristo dizendo: “Eu sei. Eu estive aí. E vai passar.”
Frankl ensinava que não devemos fugir da dor, mas encará-la com coragem. Esse trecho não minimiza o sofrimento — ele o nomeia: “ira”, “culpa”, “desespero”. Isso é essencial na logoterapia: reconhecer o que se sente é o primeiro passo para encontrar sentido.
“Vai passar” é mais que um consolo — é uma afirmação de que o sofrimento é transitório. Frankl dizia que o ser humano pode suportar qualquer “como” se tiver um “porquê”. A repetição da frase é quase um mantra que devolve força ao ouvinte.
Ao reconhecer que “tudo é culpa”, há uma abertura para assumir responsabilidade — mas sem se afundar nela. A logoterapia propõe que, mesmo diante da culpa, o indivíduo pode escolher o arrependimento, o perdão e a reconstrução.
Ele não oferece soluções fáceis, mas oferece presença, esperança e redenção. É como se dissesse: “Você não está sozinho. Isso não é o fim. Há algo além da dor.”
Quando o Senhor de todo temor
Perder a contenda que há no seu peito
Angustiado, sofrido
Pode ser interpretado como Deus, soberano sobre o medo — ou como o ser humano que tenta controlar seus temores. Se for Deus, é uma imagem paradoxal: o Senhor que perde a contenda interna. Isso remete ao Cristo no Getsêmani, onde Ele diz: “Minha alma está profundamente triste, até a morte” (Mt 26,38).
A luta interior é uma realidade espiritual. Santo Agostinho falava da “guerra entre a carne e o espírito”. A rendição dessa luta pode ser vista como entrega: quando deixamos de lutar contra Deus e nos abandonamos à Sua vontade.
A Igreja ensina que o sofrimento pode ser redentor quando unido ao de Cristo. Esse trecho parece descrever o momento em que o coração humano, cansado de lutar, se abre para a graça.
Frankl via a angústia como um indicativo de que o indivíduo está diante de uma escolha existencial. A “contenda no peito” é o conflito entre o que se é e o que se quer ser — entre o vazio e o sentido.
Na logoterapia, “perder” pode significar “ceder” ao processo de transformação. Quando o indivíduo para de resistir à dor e começa a escutá-la, ele encontra sentido.
Frankl dizia: “O sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que encontra um sentido.” Esse trecho parece ser o ponto de virada: o momento em que o sofrimento revela algo maior.
Esse trecho é como o suspiro de um coração que finalmente se permite sentir, se permite perder — para talvez encontrar algo maior. É o momento em que o orgulho cede, o medo se cala, e a alma se abre.
Sabe o orgulho? Vai cair
Sabe a solidão? Vai sumir
Vai passar, vai passar
Sabe a memória? Vai trair
Mesmo que esqueça-me
Vai passar, vai passar
Tudo passa
Passa, passa, passa
“Sabe o orgulho? Vai cair”
O orgulho é visto como um dos sete pecados capitais. A queda do orgulho é necessária para a abertura à graça. Provérbios 16:18 diz: “O orgulho precede a ruína, e o espírito arrogante, a queda.” Uma excelente sugestão pra isso é rezar diariamente a ladainha da humildade, ao fim do post deixarei link com ela.
“Sabe a solidão? Vai sumir”
A solidão é vencida pela comunhão com Deus e com os irmãos na fé. Salmo 68:6: “Deus faz que o solitário viva em família.” O antídoto é sairmos de nós mesmo, socializar.
“Sabe a memória? Vai trair / Mesmo que esqueça-me”
Isso remete ao Salmo 27:10: “Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor me acolherá.”
A Igreja ensina que mesmo quando somos esquecidos pelos homens, somos lembrados por Deus.
“Vai passar” — a esperança escatológica
Tudo neste mundo é transitório. A única permanência é Deus. Santa Teresa d’Ávila dizia: “Tudo passa, só Deus não muda.”
Frankl via o tempo como um aliado: o sofrimento não é eterno, e o sentido pode surgir mesmo nas perdas. A repetição de “vai passar” é uma forma de ressignificar a dor.
O orgulho impede o encontro com o outro e com o próprio eu autêntico. A solidão, quando não escolhida, pode ser um vazio existencial — mas também pode ser transformada em solitude fecunda.
A logoterapia reconhece que a memória é falível, mas também que o sentido vivido permanece. Mesmo que sejamos esquecidos, o que fizemos com amor permanece como legado.
Esse trecho é como uma oração moderna — uma entrega à fluidez da vida, uma aceitação de que o sofrimento, o orgulho, a solidão e até o esquecimento não têm a última palavra. O que permanece é o amor vivido, o sentido encontrado, e a fé de que há algo maior sustentando tudo. Vivemos em tempos que muitas vezes nos impede de sentir, de parar e refletir, é tudo muito intenso, muito rápido e, por vezes vamos jogando os sentimentos e sentidos pra baixo do tapete, deixando a vida nos levar como diz outra música. Isso nos faz mal. Se não vivemos plenamente os momentos, vamos nos mecanizando com a massa.
Mais uma música destrinchada e espero que com a ajuda do Espírito Santo essa letra possa frutificar em sua vida de uma maneira muito mais significativa. Continuem por aqui que prosseguirei na análise das músicas desse show.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
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