Seguimos com a análise das música do show Tempestade, do Guilherme de Sá. A música da vez é a Madeiro. "Madeiro", aborda como até as escolhas certas podem trazer sofrimento, mostrando que o amadurecimento não se limita a aprender com erros, mas também envolve lidar com o peso das decisões corretas. O termo "Madeiro", usado como referência à cruz, reforça a ideia de que a verdadeira força surge da humildade e da entrega espiritual. Isso fica claro quando o artista fala sobre vencer batalhas "de joelhos no chão" e "aos pés do Madeiro", destacando a importância da oração e da fé como caminhos para enfrentar desafios internos.
A letra propõe que os erros devem ser encarados como oportunidades de aprendizado, não como condenações definitivas. A postura de humildade, simbolizada por "joelhos no chão", é apresentada como essencial para superar dificuldades, refletindo a própria história de Guilherme de Sá, que encontrou sentido na fé católica após momentos de crise. Ao dizer que ficou "de pé diante de qualquer um" depois de se prostrar "aos pedaços", o artista sugere que a superação verdadeira nasce da aceitação das próprias fragilidades e da busca por redenção espiritual. Assim, a música conecta a experiência pessoal do cantor a uma mensagem universal de esperança e transformação.Assim como as últimas postagem dessa série, a musica vai ser pensada sob o viés católico e o da Logoterapia. Vamos nessa?
Lembrando que em negrito está a letra da musica, os demais escritos são apontamentos meus com a ajuda de algumas fontes.
Madeiro
Guilherme de Sá
Desejo que o seus enganos
Tornem-se para ti
Uma grande lição
E não uma sentença miserável
Sem prece
O catolicismo distingue o erro do pecado. Um erro pode ser uma falha não intencional, enquanto o pecado é um ato consciente de desobediência à Lei de Deus. No entanto, a mensagem do trecho ecoa um princípio central da fé católica: a transformação do sofrimento em crescimento espiritual.
Para a Igreja, a dor e a falha não são o fim. O arrependimento, a contrição e o Sacramento da Reconciliação (Confissão) oferecem ao fiel a possibilidade de redenção. Ao invés de permanecer na "sentença miserável", a pessoa é convidada a reconhecer seu pecado, confessá-lo, receber o perdão e se converter, ou seja, mudar de vida. O engano se torna uma oportunidade de conversão.
A frase "Sem prece" ressalta a importância da oração como meio de comunicação com Deus e de busca por Sua misericórdia. No catolicismo, a prece é fundamental para o processo de arrependimento e para a purificação da alma. Uma sentença "sem prece" seria uma condenação estéril, sem a possibilidade de cura e de renovação espiritual que a oração e a busca pelo perdão de Deus proporcionam.
A ideia de não transformar o engano em uma "sentença miserável" reflete a crença na misericórdia infinita de Deus. A atitude católica diante do erro não é a de um castigo inflexível, mas a de um convite constante à redenção, à restauração e à santificação da vida.
Santa Faustina nos ensina bastante sobre a misericórdia divina.
A logoterapia, criada por Viktor Frankl, foca na busca pelo sentido da vida como força motivadora primária do ser humano. O trecho ressoa com vários conceitos chave da logoterapia, especialmente a forma como o indivíduo pode dar significado ao sofrimento inevitável.
A logoterapia afirma que o ser humano tem a liberdade de tomar uma posição diante de qualquer situação, inclusive de seus próprios erros. A lição não é simplesmente o aprendizado intelectual, mas a reinterpretação do engano para encontrar um sentido nele. Transformar o engano em uma "grande lição" é um ato de autodistanciamento e autotranscendência, que permite ao indivíduo se elevar acima de sua falha e encontrar um propósito em sua experiência.
A "sentença miserável" seria o que Frankl chamou de "neurose de domingo", um vazio existencial resultante da incapacidade de encontrar sentido na vida. A logoterapia se opõe a essa resignação passiva e fatalista. Ela incentiva o indivíduo a assumir a responsabilidade por sua vida e a responder aos desafios que ela apresenta, incluindo os erros, de forma ativa e significativa.
Embora a logoterapia não use a palavra "prece" em seu sentido religioso, a ideia de não sofrer "sem prece" pode ser traduzida como a necessidade de não sofrer sem um propósito, sem uma "atitude interior" que confira sentido à dor. Encontrar um sentido no sofrimento transforma-o de uma condenação estéril em uma oportunidade de crescimento, amadurecimento e descoberta de valores. Para Frankl, o sofrimento pode ser a via para a realização de um sentido último.
É com os dois joelhos no chão
Que se vence as maiores batalhas
Cada uma delas
Para o catolicismo, a imagem de "joelhos no chão" está intrinsecamente ligada à oração, à humildade, à adoração e à submissão à vontade de Deus. A frase ressoa com a crença de que as vitórias mais significativas não são alcançadas apenas pela força humana, mas pela força que vem de Deus através da oração.
A batalha a ser vencida é frequentemente espiritual, representando as tentações, as dificuldades e as provações da vida. A oração, simbolizada pelos joelhos no chão, é a arma mais poderosa para enfrentar essas lutas, pois é através dela que se busca a intervenção divina.
O ato de ajoelhar-se demonstra a humildade e o reconhecimento da nossa dependência de Deus. É uma rendição da própria vontade para se colocar na presença do Senhor, confiando que Ele ouve, responde e age. Entendendo-me um pouco mais, ouso falar que prostrar-se diante de Jesus Sacramentando é m ato de grande libertação.
A cena de Jesus orando de joelhos no Getsêmani, antes de sua paixão, é um dos exemplos mais poderosos na Bíblia que ilustra a força que se obtém através da oração e da entrega a Deus em momentos de grande tribulação.
Embora a logoterapia não utilize a oração como conceito central, a frase pode ser analisada como uma metáfora para a atitude existencial e a busca por sentido em meio ao sofrimento. O "joelho no chão" simboliza a aceitação de uma situação inevitável e a busca por uma atitude interior de resiliência.
Na logoterapia, nem todo sofrimento pode ser evitado. A frase "com os dois joelhos no chão" pode ser interpretada como a aceitação humilde e corajosa da dor e do destino. Ao invés de lutar contra o que não pode ser mudado, o indivíduo "se ajoelha" e aceita a realidade, o que é o primeiro passo para encontrar um significado na situação.
A "vitória" não está na eliminação da batalha, mas na capacidade de mudar a atitude em relação a ela. O "joelho no chão" seria a atitude de parar, refletir e buscar um novo sentido para a experiência. A vitória é a conquista de uma perspectiva que transforma o sofrimento em uma oportunidade de crescimento e realização.
A logoterapia enfatiza a capacidade humana de transcender o sofrimento ao encontrar um propósito. As "maiores batalhas" seriam as crises existenciais, e a "vitória" seria a descoberta de um sentido, que pode ser o de crescer como pessoa, aprender com a experiência ou ajudar outros a partir do próprio sofrimento. A postura de "joelho no chão" é o que capacita a pessoa a persistir em sua busca por um sentido, mesmo quando a situação é a mais adversa.
Quanto à mim
As boas escolhas também doeram
Dizer não também abriu portas
E elas me levaram ao lugar certo
Na hora certa
Para a fé católica, a dor é uma realidade onipresente na vida humana, mesmo quando se fazem escolhas virtuosas. O trecho reflete a noção de que o caminho do bem nem sempre é o mais fácil e pode envolver sacrifícios significativos.
A vida de Cristo e dos santos é o principal exemplo disso. Jesus fez a escolha perfeita de obedecer ao Pai, mas isso o levou à Paixão e à Crucificação. Da mesma forma, os santos muitas vezes suportaram grande sofrimento físico e espiritual por amor a Deus. A dor, nesse contexto, não é um sinal de que a escolha foi errada, mas pode ser um meio de purificação, identificação com Cristo e crescimento espiritual.
A capacidade de "dizer não" ao pecado, às tentações e às coisas do mundo, ainda que seja doloroso, é um ato de renúncia ascética. Ao renunciar a algo que o afasta de Deus, o fiel abre as portas para uma vida mais plena e alinhada com a vontade divina. Essa negação de si mesmo permite que a graça de Deus opere e o conduza ao "lugar certo" – a santidade e a união com Ele.
A crença na Providência Divina é central aqui. A vida do cristão é vista como guiada por Deus, e as escolhas dolorosas, feitas em obediência à Sua vontade, são os meios pelos quais Ele nos conduz ao nosso propósito. A frase expressa a confiança de que, mesmo quando a dor está presente, há um plano maior em ação, e a fidelidade às boas escolhas, mesmo que difíceis, nos coloca no caminho da salvação e da realização do plano de Deus em nossas vidas.
O trecho se alinha diretamente com a ideia central de Viktor Frankl de que a vida tem sentido mesmo em circunstâncias adversas e de que a liberdade de escolha, mesmo em meio ao sofrimento, é fundamental.
A logoterapia não nega a dor da vida, mas a reconhece como parte da "tríade trágica" (dor, culpa e morte), que o indivíduo deve enfrentar e à qual deve dar sentido. A dor associada a uma boa escolha é a dor existencial de ter que renunciar a algo para afirmar outra coisa. A boa escolha, embora difícil, é a que tem mais significado.
Este ponto ecoa a importância da responsabilidade e da liberdade de escolha na logoterapia. Dizer "não" a certos caminhos, compromissos ou oportunidades que não se alinham com os valores ou o sentido de vida do indivíduo é um ato de autotranscendência. Ao fechar uma porta (dizendo "não"), a pessoa abre outras, mais alinhadas com seu propósito. É uma afirmação ativa de quem se é e do que se valoriza.
Na logoterapia, o "lugar certo" e a "hora certa" são a realização do sentido da vida do indivíduo. É o resultado do exercício consciente e responsável da liberdade. As escolhas dolorosas e as renúncias não são meramente sacrifícios, mas etapas necessárias na jornada para se tornar a pessoa que se deve ser. Essa percepção de alinhamento e propósito traz um sentimento de realização e preenche o vazio existencial, confirmando que a trajetória foi autêntica e significativa.
Porque foi de joelhos no chão que eu venci
Todas as minhas maiores batalhas
E então, prostrado aos pedaços
Em milhares de outros eus
Fiquei de pé
Diante de qualquer um
Qualquer um
A perspectiva católica vê a prostração como um ato de entrega e a vitória como resultado da ação de Deus na vida de quem se humilha.
A imagem de "joelhos no chão" é o gesto máximo de humildade e oração, simbolizando a rendição total à vontade divina. A vitória não é alcançada pela força do próprio indivíduo, mas pela força de Deus que atua em sua fraqueza. A oração de joelhos representa o reconhecimento da pequenez humana diante da grandeza de Deus, e é essa postura de dependência que permite a intervenção divina nas "maiores batalhas", que muitas vezes são de natureza espiritual.
A expressão "prostrado aos pedaços" evoca a ideia de quebra e aniquilação do ego, do orgulho e da autossuficiência. Esse processo doloroso é necessário para a conversão e a renovação espiritual. O sofrimento, quando aceito em união com a Paixão de Cristo, tem um valor redentor. O indivíduo se desfaz, como o grão de trigo que morre para dar muito fruto, para que a graça divina possa agir e transformá-lo.
"Milhares de outros eus" pode ser interpretado como o desvanecimento da identidade egocêntrica para dar lugar a uma nova identidade em Cristo. O cristão é chamado a se despojar do "velho homem" para revestir-se do "novo" em Cristo (Efésios 4:22-24). Ao morrer para si mesmo, o fiel se une ao corpo místico de Cristo, tornando-se parte de algo maior e transcendente. Assim, a pessoa encontra uma nova e mais profunda unidade com os outros irmãos na fé.
A vitória final, manifestada ao "ficar de pé", não é um triunfo arrogante, mas o testemunho de uma alma renovada pela graça. Essa postura, "diante de qualquer um, qualquer um", reflete a coragem e a resiliência que a fé concede. É o testemunho de que, mesmo depois de ser quebrado, a pessoa foi restaurada e fortalecida pela intervenção divina, podendo enfrentar qualquer desafio.
A logoterapia interpreta a prostração e a superação como manifestações da busca humana por sentido, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
Em uma leitura secular, "ajoelhar-se" pode ser visto como a aceitação da realidade de uma situação, especialmente quando ela é dolorosa e inevitável. É a atitude de reconhecer as próprias limitações e a impotência diante de certos desafios. Frankl descreve a capacidade humana de transformar o sofrimento inevitável em uma realização existencial por meio da atitude que se toma em relação a ele.
"Prostrado aos pedaços" evoca a sensação de desespero e fragmentação que surge quando o sentido da vida é abalado. No entanto, é nesse vazio ou vácuo existencial, nesse "não-saber", que a busca por um novo sentido se torna mais urgente. A logoterapia ensina que a pessoa pode encontrar sentido até mesmo no sofrimento, o que pode levar a um profundo crescimento pessoal.
A expressão "milhares de outros eus" pode ser interpretada como um processo de autodistanciamento, no qual a pessoa é capaz de olhar para si mesma com perspectiva, reconhecendo a multiplicidade de aspectos da sua personalidade. A superação de um ego limitado e fragmentado ("outros eus") permite a autotranscendência, que é a capacidade de olhar para além de si mesmo para encontrar um propósito maior, seja em uma causa, em um valor ou em outra pessoa.
"Fiquei de pé" representa a vitória da "última das liberdades humanas": a capacidade de escolher a atitude diante de qualquer circunstância, por mais desesperadora que seja. Essa vitória não é arrogante, mas um testemunho da "poder de desafio do espírito humano". A pessoa, ao ter encontrado um sentido na sua dor e na sua jornada, adquire uma dignidade inabalável e pode se afirmar diante de qualquer pessoa.
Porque foi de joelhos no chão que eu venci
Todas as minhas maiores batalhas
Foi ali, prostrado
Aos pés do Madeiro
Este novo trecho elimina qualquer dúvida sobre a centralidade da fé na superação das batalhas. Ele conecta a humildade (ajoelhar-se e prostrar-se) diretamente à fonte de salvação e redenção para os cristãos: a cruz.
A cruz, o "Madeiro", é o instrumento do sacrifício de Cristo e, consequentemente, a fonte da vitória sobre o pecado e a morte. O trecho sugere que a vitória nas "maiores batalhas" da vida pessoal (sejam elas tentações, sofrimentos ou desafios existenciais) não é conquistada pela própria força, mas pela graça e pelo poder redentor que emanam do sacrifício de Jesus na cruz.
Prostrar-se "aos pés do Madeiro" é um gesto de adoração, submissão e entrega total a Jesus crucificado. É o reconhecimento de que a salvação e a força vêm Dele. É o lugar onde a fraqueza humana encontra a força divina. Esse ato de prostração é a contraparte da vitória, pois o triunfo não é por mérito próprio, mas por meio daquele que se humilhou na cruz.
A experiência de prostração é também uma forma de identificação com o próprio Jesus em sua Paixão. A pessoa que se prostra diante do Madeiro participa simbolicamente da dor e do sacrifício de Cristo, encontrando, paradoxalmente, a força para vencer suas próprias lutas. O sofrimento, em vez de ser um fardo inútil, se torna uma via de purificação e união com Cristo.
O trecho transforma o símbolo da derrota (a cruz) em um símbolo de vitória. O que, à primeira vista, seria um local de humilhação e sofrimento, torna-se o ponto de virada onde as maiores vitórias são conquistadas.
Embora o termo "Madeiro" tenha uma conotação religiosa, a logoterapia ainda pode interpretar o trecho como uma metáfora para a busca de sentido em meio ao sofrimento mais profundo.
Para uma interpretação logoterapêutica, o "Madeiro" pode ser a representação do sofrimento inevitável e existencial. Prostrar-se "aos pés do Madeiro" pode significar a aceitação da dimensão trágica da existência (a tríade do sofrimento, da culpa e da morte). Essa aceitação humilde e corajosa é o ponto de partida para encontrar um sentido.
A "vitória" não é a eliminação do sofrimento (o Madeiro), mas a capacidade de encontrar um propósito em meio a ele. Ao se prostrar diante da dor inevitável, a pessoa transcende a si mesma, encontra um significado na sua experiência e, com isso, "vence" a batalha existencial contra o vazio e o desespero.
A atitude de humildade, expressa pela prostração, é o que permite à pessoa ir além de si mesma (autotranscendência). Ao invés de se concentrar na própria dor, ela direciona sua atenção para um valor ou propósito maior. Essa é a verdadeira vitória segundo Frankl, e ela só pode ser alcançada quando o ego é deixado de lado.
Acho que me animei um pouco com o tema e talvez tenha escrito demais. Espero que não tenha ficado muito repetitiva. Tento trazer aqui um elo entre e música e o divino e entre a música e o próprio eu.
Deus vos abençoe e vos guarde! O Espírito Santo vos ilumine!
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