Santa Catarina de Sena - carta à sobrinha Nanna (sobre a Parábola das 10 virgens)

A paz do Senhor esteja convosco!

Recentemente adquiri um livro com algumas cartas de Santa Catarina de Sena, Ainda estou lendo e deixando-me surpreender por sua linguagem simples, zelosa, amorosa, direta, sábia e profunda. Dentre as várias coisas, que estão assentando em meu coração, a carta de Catarina à sua sobrinha 'Nanna' atraiu especialmente a minha atenção por sua explicação acerca de um trecho da chamada Parábola das dez virgens (Mt 25). Para ser mais exata ela fala das cinco virgens prudentes. Na carta ela incentiva a sobrinha a seguir a vida religiosa.


O post tem por base a carta de número 23, de Santa Catarina de Sena à sua sobrinha 'Nanna', o Evangelho de Mateus (25, 1-13), colocações minhas.
Então o Reino dos céus será semelhante a dez virgens, que saíram com suas lâmpadas ao encontro do esposo. Cinco dentre elas eram tolas e cinco, prudentes. (Mt 25, 1-2)
No livro, a carta é dividida em pequenos trechos com títulos, optei por reproduzir da mesma forma. Segue, então, a primeira parte:

Nosso coração é como uma lâmpada
Pois tal coisa não conseguiras, se não fores como aquelas virgens prudentes (Mt 25), consagradas a Cristo, que possuíam lâmpadas, óleo e luz. Presta atenção. Para ser esposa de Cristo, e preciso ter uma lâmpada, o óleo e a luz. Sabes, minha filha, o significado dessas coisas?
A lâmpada significa o coração, o qual tem a forma de uma lâmpada. Bem sabes que a lâmpada é larga no alto e estreita embaixo. Também nosso coração é assim, para indicar que devemos possuí-lo espaçoso, em cima, para os bons pensamentos, as santas imaginações e a oração contínua, retendo na memória, continuamente, os favores divinos, sobretudo os benefícios do sangue com que fomos remidos. Minha filha! O bondoso Jesus não nos resgatou a preço de ouro, prata, pérolas e demais pedras preciosas, mas com seu sangue. Tal favor nunca deve ser esquecido, sempre terá de estar diante do nosso olhar com santa e terna gratidão, pois e incomensurável o amor de Deus por nós. Deus Pai não recusou entregar seu Filho único a uma cruel morte na cruz para nos dar a vida da graça.
Eu disse que a lâmpada é estreita embaixo. Também nosso coração deve sê-lo em relação às realidades terrenas. O coração não pode desejar tais bens desordenadamente, nem desejá-los ou procurá-los mais do que for do agrado divino. Vendo que Deus nos prove com amor, nada nos deixando faltar, o coração sempre lhe será grato. Agindo assim, nosso coração realmente será como uma lâmpada.
       
Nossa, que primor de explicação! Quanta sensibilidade! Então, paremos agora para refletir como anda a lâmpada do nosso coração. Pode até servir pro exame de consciência diário que devemos fazer, buscando a santidade. Tens cultivado bons pensamentos ou ainda sutre aqueles resquícios de julgamento, de maledicência? E a imaginação, está voltada para a boa criatividade e para o bem? Como anda a sua vida de oração? Tá estagnada, relaxada ou está buscando a intidade? Devemos buscar a vida de oração, despojamento e obediência a ponto de não sermos chamados de servos e sim de amigos. O que guardamos na memória? Mágoas, ódios e coisas que só fazem atravancar nosso coração ou damos espaço para o perdão e o amor? Santo Agostinho, em sua sabedoria, já nos dizia para tudo ordenar para o amor. Façamos isso, é um longo processo, mas que vale muito a pena.

O óleo é a humildadeRecorda-te porém, minha filha, de que tudo isso não basta se faltar o óleo na lâmpada. Com a palavra "óleo" entende-se uma delicada e oculta virtude, a grande humildade. Pois a esposa de Cristo tem de ser humilde, mansa e paciente. Tão humilde quanto paciente, tão paciente quanto humilde. Mas nunca alcançaremos a humildade sem o autoconhecimento.
E necessário que reconheçamos a nossa miséria e fraqueza, convencidos de que por nós mesmos somos incapazes de praticar qualquer ato virtuoso e superar lutas internas e inquietações. Não somos capazes de afastar de nós as doenças corporais, as dores, as dificuldades íntimas. Se fossemos capazes, fa-lo-íamos imediatamente. De nós mesmos somos apenas vergonha, miséria, mau cheiro, fraqueza e pecado. Importa-nos ficar sempre embaixo, humildes.
Mas não é bom permanecer apenas em tal conhecimento de si. A pessoa cairia no desânimo e na perturbação, chegando até ao desespero. A isso procura levar-nos o demônio. E necessário conhecer também a presença de Deus em nós, refletindo que Ele nos fez à sua imagem e semelhança, nos recriou pela graça no sangue do Verbo, seu Filho unigênito, e a bondade divina age continuamente em nosso favor. Todavia, quem se reduzisse somente a esse conhecimento de Deus em si, cairia na presunção e na soberba.
Ocorre mesclar esses dois conhecimentos: não somente pensar em Deus, nem somente em nós. Assim fazendo, seremos humildes, pacientes, mansos. Possuiremos o óleo na lâmpada.
Sei que a misericórdia é um assunto que falo bastante por aqui, mas é algo que me atrai imensamente. Poxa, nós cristãos temos a graça de ter um Deus que por amor a nós, deu seu filho único em sacrifício, para darnos a salvação! Nós que ao longo da história da humanidade temos sido tão ingratos, pecadores, miseráveis. Preferimos fugir a encarar nossas misérias. Temos a falsa idéia de que admitir nossas fraquezas é nos diminuir, bom, isso pode até acontecer, como foi dito acima, mais se estiver aliado ao conhecimento da ação de Deus em nossa vida, é de uma grande graça para a nossa vida. A partir de então, percebemos que o que temos de bom, é graça de Deus. Humildemente nos colocamos em nosso lugar e deixamos que Deus esteja verdadeiramente no dEle. O desnecessário dá lugar ao que nos basta, Deus. Passamos a ser mais gratos e menos resmungões ou murmurantes. Passamos a ser misericordiosos ao invés de maldosos.
A luz é a fé
Devemos ter também a luz, a luz da fé. Mas os Santos dizem que a fé sem as obras é morta. Ocorre, pois, agir sempre virtuosamente, abandonar a infantilidade das vaidades, não viver como jovem fútil, mas como esposa fiel, consagrada a Cristo crucificado. Desse modo, teremos a lâmpada, o óleo e a luz.

Nesse trecho me vem muito a questão da importância de conhecer a Palavra, deixar-se incendiar por ela, e buscar vivê-la em atos e palavras. Penso que quanto mais alimentamos essa chama na nossa vida, mais e mais ela se fortalece, fica mais forte, e ilumina aqueles que,porventura, passam por nós, seja os mais próximos ou desconhecidos que dividem o ônibus conosco e recebem um sorriso, um bom dia, um gesto de amor. Muitos encontram-se sedentos de amor. Tanto que para eles é até difícil enxergar que ele ainda exista, porque esbarram em pessoas que os lança um olhar de indiferença, de condenação, de nojo, de medo, Que tipo de pessoas queremos ser? As indiferentes ou as que amam, como Cristo nos amou e ama? Como está sua confiança em Deus? Você realmente confia sua vida a Ele ou só fala que confia, mas 'por via das dúvidas', acaba fazendo as coisas do seu jeito?
Deus é ciumento de suas esposas
Diz o Evangelho (Mt 25,2) que as virgens prudentes eram cinco. Pois bem, afirmo-te que cada um de nós há de "ser cinco", sob pena de ficar excluído das núpcias eternas. A palavra "cinco" significa nossa obrigação de dominar e mortificar os cinco sentidos corporais, jamais ofendendo a Deus com eles, na procura de afeições ou prazeres desordenados com todos ou alguns deles. Seremos "cinco" dominando os cinco sentidos do corpo.
Mas recorda-te: o esposo Jesus Cristo é ciumento de suas esposas; eu nem saberia dizer-te quanto! Se ele nota que tu amas outras pessoas mais que a Ele, ficará indignado contigo. E se não mudares (teu comportamento), para ti não será aberta a porta do lugar onde o Cordeiro imaculado celebra as núpcias com todas as suas esposas. Quais adúlteras, seremos rechaçadas a semelhança daquelas cinco virgens imprudentes. Elas se gloriavam única e tolamente da sua integridade e virgindade corporal; por isso perderam a virgindade da alma, pela corrupção dos cinco sentidos do corpo. Faltava-lhes o óleo da humildade e suas lâmpadas se apagavam. Então foi-lhes dito: "Ide comprar o óleo" (Mt 25,9). Nessa passagem o "óleo" indica os atrativos e engodos mundanos, vendidos pelos aduladores e lisonjeadores do mundo. Como se o esposo dissesse: "Não quisestes comprar a vida eterna pela virgindade e boas obras; preferistes os galanteios humanos e por eles vivestes. Ide comprá-los. Aqui não entrareis".
O que vem de imediato em minha mente é a questão do auto conhecimento, do jejum e das mortificações. Do cuidado com as vãs seduções e vaidades mundanas. Para melhor ouvirmos a voz de Deus é preciso se esvaziar do mundo e de nós mesmos, para que Ele venha reinar em nós. Enfim, grande lições foram dadas por meio desta carta. Rezemos pois, com o que aqui foi lido e deixemos calar em nosso coração. Independente do estado de vida ao qual somos chamados, temos a santidade como vocação universal.

Que o Espírito Santo venha nos guiar nesse caminho de santidade, discernimento e auto conhecimento à luz de Deus!

Fonte: 
As Cartas, Santa Catarina de Sena - Tradução Frei João Alves Basílio, O.P. Editora Paulus

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